Quem Definiu o que é uma Definição? Uma Viagem ao Pensamento de Aristóteles, por Pedro Webster Álvares

Quem Definiu o que é uma Definição? Uma Viagem ao Pensamento de Aristóteles, por Pedro Webster Álvares

Logos Editora LTDA

Talvez seja por ter nome de dicionário que busco essa resposta. Definir as coisas
deveria ser uma tarefa que um dicionário cumpre facilmente. Você procura o que é um "gato",
e a definição está lá: "pequeno mamífero carnívoro domesticado". Simples, direto, resolvido.
O dicionário é um mapa do uso comum da linguagem, um registro de como as pessoas usam as palavras.

Mas é preciso notar sua limitação. Quando as palavras deixam de ser "gato" e passam
a ser "justiça", "amor" ou "verdade", o mapa se revela insuficiente. Ele mostra um território
plano onde, na verdade, existem montanhas e abismos de complexidade. Um dicionário pode
dizer como as pessoas usam a palavra "justiça", mas não pode dizer o que a Justiça realmente
é. Essa é a diferença crucial entre a definição lexical e a definição conceitual ou filosófica. E
para encontrar uma das primeiras e mais robustas tentativas de esclarecer esse problema,
precisamos viajar no tempo até a Grécia Antiga e encontrar um dos maiores pensadores da
história: Aristóteles.

O Projeto Aristotélico: Ferramentas para Compreender a Realidade
Enquanto Sócrates e Platão já se ocupavam em buscar a essência das coisas, foi
Aristóteles quem se dedicou a criar um verdadeiro sistema para analisar, descrever e definir a
realidade. Sua "Teoria da Definição", apresentada na obra Segundos Analíticos, não é apenas
um conjunto de regras, mas o resultado de um projeto filosófico muito maior. Para definir
algo de forma completa, Aristóteles nos oferece um kit de ferramentas conceituais,
começando pelas Categorias.

1. As Ferramentas do Pensamento: Substância e Categorias

Antes de definir, precisamos entender sobre o que estamos falando. Em sua obra
Categorias, Aristóteles propôs que tudo o que afirmamos sobre um sujeito pode ser
classificado em dez categorias conceituais. A mais importante é a Substância (Ousia), que
responde à pergunta fundamental: "o que é isso?". A substância é o ser individual, a coisa em
si, aquilo que existe por si só e dá suporte a tudo mais (PORFÍRIO, 2024). "Este homem" ou
"este cavalo" são exemplos de substâncias.

As outras nove categorias são os acidentes: atributos que existem na substância, mas
não são a substância. São eles: Quantidade (o quanto), Qualidade (como é), Relação (em
relação a quê), Lugar (onde), Tempo (quando), Posição, Estado, Ação (o que faz) e Paixão (o
que sofre). Por exemplo, um homem (substância) pode ter 1,80m (quantidade), ser justo
(qualidade) e estar no mercado (lugar). Essas características são acidentes; o homem
continuaria sendo ele mesmo se fosse mais baixo ou estivesse em outro lugar. As Categorias
nos forçam a distinguir entre o que é essencial (a substância) e o que é circunstancial (os
acidentes), sendo o primeiro passo para uma definição rigorosa.

2. As Quatro Causas: O "Porquê" por Trás do "O Quê"

Com o "o quê" estabelecido pela substância, Aristóteles avança para o "porquê" de sua
existência através da Teoria das Quatro Causas, detalhada em obras como a Metafísica e a
Física. Para ele, um conhecimento completo exige investigar quatro aspectos:
Causa Material: A matéria de que algo é feito (ex: a madeira da mesa).
Causa Formal: A forma, estrutura do objeto (ex: o design que faz da madeira uma mesa).
Causa Eficiente: O agente que produziu o objeto (ex: o marceneiro).
Causa Final: O propósito ou objetivo para o qual a coisa existe (ex: servir para refeições).

Uma definição robusta, que busca a essência, inevitavelmente dialoga com essas
causas, especialmente com a Causa Formal, que é a própria definição da essência da coisa.

3. Ato e Potência

Mas como uma coisa chega a ser aquilo que sua definição descreve? Para responder a
isso, Aristóteles nos dá mais uma ferramenta crucial de sua Metafísica: a distinção entre
Potência (dynamis) e Ato (energeia). Potência é a capacidade de algo vir a ser; uma semente,
por exemplo, é uma árvore em potência. Ato é a plena realização dessa capacidade; a árvore
crescida é a árvore em ato. Para Aristóteles, toda mudança no universo é essa passagem da
potência ao ato, guiada pela Causa Final. A definição, portanto, busca capturar a essência de
uma coisa em seu estado de ato, em sua plena realização. No caso dos seres vivos, Aristóteles
argumenta em De Anima (Sobre a Alma) que esse ato é inseparável de sua alma (psyché), que
ele entendia como o princípio que organiza a matéria e dá vida. É por isso que sua famosa

definição de homem como animal racional é tão poderosa: ela captura o ato que define a alma
humana — sua capacidade de pensar racionalmente. Assim, a definição não é uma etiqueta
estática, mas a imagem da essência de algo no auge de sua realização, no cumprimento de seu
propósito.

4. As Regras do Jogo: A Lógica da Definição Correta

Munido destas ferramentas metafísicas, Aristóteles finalmente estabelece, nos
Segundos Analíticos, as regras lógicas para a construção de uma definição precisa. Definir era
uma ciência, e essas regras são seu método:
A Essência é Tudo: A definição deve capturar a natureza fundamental da coisa (sua Causa
Formal). "Animal racional" define o homem por sua característica essencial.
Não-Circularidade: A definição não pode conter o termo a ser definido.
Afirmativa, se Possível: Deve expressar o que algo é, e não o que não é.
Clareza Acima de Tudo: Deve usar termos mais claros que o termo definido.
A Medida Certa: A definição não deve ser ampla demais (incluindo o que não pertence) nem
restrita demais (excluindo o que pertence).

Curiosidade sobre Aristóteles: Nascido em Estagira, na Macedônia, Aristóteles era
considerado um meteco (estrangeiro residente) em Atenas. Isso o impedia de possuir
propriedades e limitava alguns de seus direitos cívicos na cidade onde fundou sua famosa
escola, o Liceu, também conhecida como "Escola Peripatética", pois diz-se que ele ensinava seus alunos enquanto caminhava (peripatein) pelos jardins.

5. A Estrutura do Raciocínio: A Lógica e o Silogismo

Finalmente, com as ferramentas para classificar (Categorias), compreender (Causas) e
formular (Regras da Definição), Aristóteles nos entrega a estrutura para usar esse
conhecimento: a Lógica. Para ele, a lógica não era uma ciência entre outras, mas o órganon
— o instrumento ou a ferramenta — que todo cientista e filósofo deve dominar para
raciocinar corretamente. O coração de sua lógica é o silogismo, um tipo de argumento
dedutivo em que, a partir de duas premissas verdadeiras, chega-se a uma conclusão
necessariamente verdadeira. O exemplo clássico é: Todo homem é mortal (premissa maior);

Sócrates é homem (premissa menor); logo, Sócrates é mortal (conclusão). Aqui que a teoria se completa, a força de um silogismo depende da solidez de suas premissas. A premissa maior (Todo homem é mortal) é, finalmente, uma definição universal sobre a essência do homem. Portanto, a busca rigorosa por uma definição correta, que captura a essência, não é um mero exercício de clareza; é o fundamento indispensável para a construção de qualquer argumento lógico e verdadeiro. Sem definições precisas, a estrutura do silogismo opera no vazio, e o conhecimento não pode ser construído com segurança.

Dicionário vs. Conceito: A Batalha das Definições
Com as ferramentas de Aristóteles em mente, a distinção entre os tipos de definição
fica mais clara. A definição lexical (de dicionário) cumpre um papel importante: ela reporta o
uso comum de uma palavra, sendo uma fotografia da linguagem. O problema, como vimos, é
que o uso comum é frequentemente vago.

A definição conceitual (ou real), por outro lado, é um exercício filosófico e científico.
Seu objetivo não é descrever como as pessoas usam uma palavra, mas investigar a essência da
coisa, suas causas e seus atributos fundamentais. É por isso que existem tantos "tipos" de
definição, cada um com um propósito:

Definição Lexical: Descreve o uso comum. Ex: "Carro" é um "veículo motorizado".

Definição Estipulativa: Atribui um significado para um contexto específico. Ex: "Para
esta lei, 'veículo' se refere a qualquer transporte motorizado terrestre."

Definição Teórica/Explicativa: Conecta o termo a uma teoria maior. Ex: Definir
"doença" no contexto da teoria dos germes.

Definição Persuasiva: Usa linguagem emocional para influenciar. Ex: "Aborto é o
assassinato de um ser humano inocente."

Para um debate produtivo sobre "democracia", "liberdade" ou "arte", precisamos
concordar com uma definição conceitual, muitas vezes estipulada para aquela conversa. Sem
isso, as pessoas falam sobre coisas diferentes usando a mesma palavra.

A Busca Continua
A distinção entre os tipos de definição nos leva de volta à questão socrática: quando
perguntamos “O que é a Justiça?”, estamos querendo um retrato de como usamos a palavra
ou compreender um ideal que existe independentemente de nós?

A busca por uma definição perfeita é complexa, talvez interminável. Mas ao nos dar
um sistema completo com Categorias, Causas e Regras, Aristóteles não apenas definiu o que é
uma definição. Ele nos deu as ferramentas para construir o conhecimento, organizar nosso
mundo e, talvez o mais importante, para termos conversas mais claras e produtivas. Da
próxima vez que se pegar em um debate sobre o significado de uma palavra, pare e pergunte:
"Estamos falando da mesma coisa? Qual é a nossa definição?". Você estará honrando uma
tradição que começou há mais de 2.300 anos, nos jardins do Liceu.

Referências:

ARISTÓTELES. Categorias.

ARISTÓTELES. Física. Livro II.

ARISTÓTELES. Metafísica. Livro V.

ARISTÓTELES. Segundos Analíticos.

PORFÍRIO, Francisco. "Substância e categorias para Aristóteles". Brasil Escola.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/substancia-categorias-aristoteles.htm.
Acesso em 29 de agosto de 2025.

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. (2021). "Aristotle's Categories".

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. (2018). "Aristotle on Causality".

STANFORD ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. (2021). "Aristotle's Logic" e
"Definitions".

INTERNET ENCYCLOPEDIA OF PHILOSOPHY. "Aristotle: Logic".Referências:

ENGELMAN, Jaqueline. A Teoria da Definição em Aristóteles: os predicáveis e as
categorias. 2006. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006

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