Neurocientista Miguel Nicolelis e sua perspectiva sobre a IA, por Pedro V. W. Álvares

Neurocientista Miguel Nicolelis e sua perspectiva sobre a IA, por Pedro V. W. Álvares

João Pedro Tavares de Lima

Miguel Nicolelis é um neurocientista brasileiro renomado internacionalmente. Foi muito elogiado por ser o responsável pela criação do exoesqueleto que deu o primeiro chute 
da Copa do Mundo no Brasil de 2014. Nicolelis é uma figura central em pesquisas pioneiras  de interfaces cérebro-máquina, e tem se destacado por suas fortes críticas à inteligência artificial (IA). Veremos a seguir uma amostra de suas argumentações: 

 

A visão de Nicolelis:

Acredito ser possível atrelar a tese de neurologia de Nicolelis com as teses naturalistas 
da filosofia da mente. Um bom exemplo é John Searle, que em sua epistemologia defende a consciência como uma propriedade biológica emergente do cérebro: "A consciência é uma propriedade biológica do cérebro. (...) da mesma forma que a digestão é uma característica do estômago." (Searle, 1991). De forma análoga, para Nicolelis a mente humana surge da complexidade da matéria orgânica do nosso cérebro. Uma evidência é encontrada no artigo Brain-Machine Interfaces: From Basic Science to Neuroprostheses and Neurorehabilitation (2017). Ele argumenta que o cérebro não é um computador digital, mas sim um sistema analógico que funciona de uma forma contínua que não pode ser reduzida a um cálculo artificial:

Ao invés de processar informações de forma discreta e digital, as populações neurais operam em um contínuo, onde o significado das mensagens não está em sinais isolados, mas na dinâmica coletiva e na modulação em tempo real de suas interações."
(Nicolelis, 2017*)

Também podemos ver que essa dinâmica cerebral não responde a neurônios individuais, mas sim, a vastos conjuntos neurais que operam de forma cooperativa. A consciência e o comportamento surgem dessa atividade coletiva, algo que sistemas IA ainda não replicam:

"A dinâmica das atividades dos conjuntos neurais é a base de todas as nossas funções cognitivas, e a análise dessas atividades é fundamental para entender como o cérebro opera em tempo real."
(Nicolelis, 2017*)

Além desta dinâmica, o artigo de 2017 apresenta a tese da plasticidade neural, que 
considera a capacidade do cérebro de se reorganizar e se adaptar. Para Nicolelis, essa 
característica é a essência da inteligência biológica, e também não permite ser simulada por algoritmos.

"A plasticidade no sistema nervoso adulto é essencial para o aprendizado e para a adaptação. Através de nossas pesquisas com interfaces cérebro-máquina, observamos que o cérebro se adapta de maneira notável, remapeando suas representações neurais para incorporar próteses robóticas como extensões do próprio corpo."
(Nicolelis, 2017)

As descobertas de Nicolelis sobre a natureza analógica, a plasticidade e a dinâmica coletiva dos conjuntos neurais fornecem a base empírica para o argumentos naturalistas da filosofia da mente, reforçando a visão de que a consciência é um fenômeno irredutível à computação digital. Esses apontamentos sugerem um profundo desafio para a IA, pois a verdadeira inteligência biológica não reside na manipulação de símbolos, mas na complexa forma de existência da matéria viva, que funciona em um nível que vai além dos algoritmos.

Problemas Éticos 

As ideias de Nicolelis podem nos direcionar também para muitos problemas éticos que envolvem a nossa relação com a IA. Uma de suas críticas mais provocativas é a religião da IA. Em seu livro de ficção, Nada Mais Será como Antes, ele argumenta que a inteligência artificial não será tratada apenas como uma ferramenta, mas como uma divindade onisciente, uma solução messiânica para todos os problemas da humanidade. Segundo ele, a fé cega e inquestionável na tecnologia, alimentada por um marketing agressivo, nos levará a delegar nossas próprias responsabilidades e capacidades a um sistema que, em essência, é apenas um papagaio estatístico. O perigo reside não na IA em si, mas na nossa aceitação de sua suposta superioridade, o que pode nos levar à atrofia de nossa intuição, criatividade e das habilidades cognitivas que nos tornam humanos:

"No limite, nenhuma ação, nenhuma conversa, e, possivelmente, com o tempo, nenhum sonho ou pensamento escapará dos olhos incansáveis e sempre despertos deste Deus: cada manifestação da vida será processada pelo computador e posta sob o seu sistema de controle sempre invasivo.
(Nicolelis, 2024)

Segundo o neurocientista, o próprio termo IA é uma jogada de marketing incentivada pelas empresas de tecnologia que pretende capitalizar sobre a ignorância do público em relação à neurociência. O uso de termos como inteligência e aprendizagem é visto por ele como uma estratégia deliberada para criar um mito: "O termo 'inteligência artificial' é uma jogada de marketing. Deveríamos chamar de automação inteligente, mas não soa bem." (Nicolelis, 2023) Segundo o autor, o termo automação inteligente seria mais honesto e preciso. A maneira como as empresas criam campanhas em torno da IA, prometendo solucionar muitos de nossos problemas e usando termos que remetem à consciência humana, desvia a atenção da verdadeira natureza da tecnologia - que são sistemas de reconhecimento de padrões e processamento de dados - e perpetua a perigosa ideia de que a mente humana pode ser reduzida a um algoritmo. Essa confusão não é apenas um problema de linguagem; ela tem implicações éticas sérias, pois nos leva a desvalorizar a complexidade, singularidade e a experiência da vida humana em favor de uma tecnologia que, em sua essência, não se aproxima dela. 

Acredito que tais argumentos podem defender teses empiristas e naturalistas que envolvem a filosofia da mente, e temos como base um pesquisador brasileiro, o que confere credibilidade à ciência brasileira. Aqui vemos um outro termo interessante para a IA: Automação inteligente. O que você considera sobre isso? Consegue formar argumentos contrários à tese de Miguel Nicolelis?  

 

REFERÊNCIAS:

SEARLE, John R. A Redescoberta da Mente. Martins Fontes, 1997, p. 111. 
LEBEDEV, M. A., & NICOLELIS, M. A. (2017). "Brain-Machine Interfaces: From 
Basic Science to Neuroprostheses and Neurorehabilitation". Physiological Reviews, 
97(2), 767–837. 
PORTO DE IDEIAS. “Nem inteligente nem artificial”: MIGUEL NICOLELIS 
ANALISA IA. [S. l.]: YouTube, 6 dez. 2023. 1 vídeo (52 min). Disponível em: 
https://www.youtube.com/watch?v=qVxkrGk__OA. Acesso em: 6 ago. 2025. 
NICOLELIS, Miguel. Nada Mais Será Como Antes: O Futuro do Ser Humano na Era 
Digital e Pós-Verdade. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2024. 

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