
Mini-Guia das Virtudes Aristotélicas Pedro V. Webster Álvares
Logos Editora LTDAA busca por equilíbrio e discernimento nos dias de hoje é uma necessidade urgente. E há mais de dois milênios, o filósofo grego Aristóteles já oferecia um guia para a excelência do caráter tão necessária à atualidade.
Em sua obra “Ética a Nicômaco”, o pensador estabelece que a virtude resulta sempre em uma ação equilibrada, e não de radicalismos. O famoso “meio-termo” (mesótes) conduz à escolha da ação correta, na hora correta e pelo motivo correto.
Este artigo se propõe a desvendar essa ferramenta aristotélica, trazendo para o século XXI a sabedoria contida em cada uma de suas virtudes. Analisaremos como os sentimentos e paixões humanas, quando confrontados com as situações do dia a dia, podem nos levar tanto ao vício quanto à virtude.
Através de exemplos contemporâneos, veremos que a coragem, a temperança, a generosidade e outras excelências morais devem ser hábitos práticos e deliberados — essenciais para uma vida que trará felicidade, a eudaimonia, ao indivíduo.
Temperança: O Equilíbrio entre a Libertinagem e a Insensibilidade
A virtude da Temperança (Sophrosyne) é uma das mais necessárias à sociedade contemporânea, marcada pela cultura do consumo imediato e da gratificação instantânea.
Aristóteles a define como o meio-termo em relação aos prazeres do corpo, especialmente os do tato e do paladar — comer, beber e sexo (Ética a Nicômaco, Livro III, 10).
O vício por excesso é a libertinagem (ou volúpia): a busca desenfreada por prazer, que escraviza o indivíduo aos seus apetites. Exemplos modernos são a compulsão por compras online, o consumo excessivo de fast food ou o vício em pornografia digital.
No outro extremo está a insensibilidade, um vício por falta, raro, mas devastador. É a incapacidade de sentir prazer nas coisas simples — a apatia de quem perdeu o encanto pela vida.
A pessoa temperante não despreza os prazeres, mas os modula pela razão. Ela aprecia uma boa refeição sem gula, desfruta de relacionamentos sem escravidão emocional. A moderação, para Aristóteles, é a mais alta forma de liberdade.
Coragem: A Bravura entre o Medo e a Imprudência
A Coragem (Andreia) se manifesta diante do perigo e da dor.
É o meio-termo entre a covardia e a temeridade (Ética a Nicômaco, Livro III, 6-9). O covarde teme o que não deveria e paralisa-se; o temerário ignora riscos e se lança no perigo sem prudência.
Exemplos contemporâneos:
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Covardia: o profissional que se cala diante de uma injustiça por medo de retaliação.
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Temeridade: o motorista que pratica “rachas” ou o investidor que arrisca todo o patrimônio em especulação.
A verdadeira coragem não é ausência de medo, mas a capacidade de agir com razão apesar dele. É o bombeiro que entra em chamas, o cidadão que denuncia corrupção. A coragem é razão em ação.
Liberalidade e Magnificência: A Relação Virtuosa com as Finanças
Aristóteles dedica duas virtudes ao uso da riqueza: Liberalidade (Eleutheriotes) e Magnificência (Megaloprepeia).
A Liberalidade é o meio-termo entre avareza e prodigalidade — entre o apego excessivo ao dinheiro e o gasto irresponsável.
O liberal é aquele que usa o dinheiro como meio para o bem, e não como fim em si mesmo.
A Magnificência, por sua vez, é a generosidade em grande escala — o investimento em obras públicas, eventos culturais ou projetos coletivos.
Seu excesso é a ostentação, e sua falta, a mesquinhez.
A virtude, aqui, é a sabedoria em gastar, e não apenas em acumular. O magnânimo compreende que a riqueza serve melhor quando serve aos outros.
Respeito Próprio e Gentileza: A Virtude na Vida Social
No campo da honra, Aristóteles define o Respeito Próprio (Megalopsychia) como o “adorno das virtudes” — o equilíbrio entre vaidade e humildade excessiva.
O magnânimo é digno de grandes coisas e age com a dignidade correspondente, sem arrogância.
A Gentileza (Praotes), por outro lado, regula nossa cólera. É o meio-termo entre irascibilidade e indiferença.
O gentil sente raiva na medida certa, contra quem é preciso e da forma correta. Ele não é omisso, mas também não é escravo das emoções.
Amizade, Sagacidade e Modéstia: A Harmonia nas Relações
Para a vida em sociedade, Aristóteles destaca um trio de virtudes: Amizade (Philia), Sagacidade (Eutrapelia) e Modéstia (Aidos).
A Amizade é o equilíbrio entre a bajulação e a grosseria. O amigável sabe discordar com respeito e buscar harmonia sem perder autenticidade.
A Sagacidade é o humor inteligente — o meio-termo entre o sarcasmo agressivo e a seriedade ríspida.
O sagaz sabe “rir com” e não “rir de”.
A Modéstia, embora mais emoção que virtude, é a medida da vergonha justa — entre a timidez paralisante e a sem-vergonhice.
O modesto reconhece seus erros e os usa como aprendizado.
Justa Indignação: O Sentimento Correto Diante da Sorte do Outro
A Justa Indignação (Nêmesis) é o sentimento de dor diante da prosperidade imerecida.
Ela se opõe à inveja (Phthonos), que sofre com o bem do outro, e à malevolência (Epikhairekakia), que se alegra com o mal alheio.
O justo indignado não deseja o mal do outro, mas se revolta com a injustiça.
Esse sentimento revela um caráter afinado com a equidade, capaz de alegrar-se com o mérito e de repudiar o privilégio indevido.
Conclusão: O Meio-Termo como Caminho para a Eudaimonia
A jornada pela “Ética a Nicômaco” mostra que a busca pelo meio-termo é mais do que um ideal filosófico: é um projeto de vida prática.
Cultivar virtudes como temperança, coragem, liberalidade e gentileza é desenvolver a autoregulação e a harmonia interior.
Individualmente, isso reduz ansiedade, impulsividade e ressentimento, promovendo resiliência e felicidade plena (eudaimonia).
Coletivamente, forma uma sociedade mais justa, coesa e funcional.
Redescobrir Aristóteles é reencontrar o equilíbrio perdido:
a razão que guia as emoções e o caráter que sustenta a vida boa.
Referências
Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. Mário da Gama Kury. 4ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001. (Livros II, III e IV).