Do Banquete ao Tribunal: A Evolução da Consciência e a Luta pelos Direitos Humanos  Pedro W Alvares

Do Banquete ao Tribunal: A Evolução da Consciência e a Luta pelos Direitos Humanos Pedro W Alvares

Logos Editora LTDA

A história do pensamento humano é, em grande medida, a história de uma lenta e árdua reavaliação de suas próprias verdades. Práticas outrora normalizadas, e até mesmo idealizadas, são postas em xeque pelas concepções éticas de nossos tempos, revelando um profundo descompasso entre a norma cultural de uma época e a dignidade humana. Abordaremos a seguir um assunto deveras polêmico, ou até mesmo perturbador.


O Banquete de Platão e a Pederastia na Grécia Antiga

Ao revisitar O Banquete de Platão, encontramos descrições de práticas culturais da época. Na Grécia Antiga, particularmente em Atenas durante os períodos Arcaico e Clássico, encontramos situações que diferem radicalmente das concepções modernas de sexualidade, ética e direitos humanos.

Uma das práticas exploradas em O Banquete diz respeito à pederastia e ao cortejo infantil. Não significa que isso era universalmente aceito da mesma forma em todo o mundo grego, mas era proeminente em certos círculos aristocráticos.

A relação pederástica envolvia um homem mais velho e socialmente estabelecido, o erastes (amante), e um adolescente, o eromenos (amado). Idealmente, essa relação não era puramente sexual, mas também pedagógica e de mentoria. O erastes tinha o dever de educar o eromenos nas virtudes cívicas, militares e intelectuais.

Em O Banquete, Platão eleva essa dinâmica a um patamar metafísico. Contudo, essa idealização não apaga uma crítica moral: tratava-se de uma relação assimétrica, definida por idade, experiência e poder social, na qual o consentimento do mais jovem, nos termos em que o entendemos hoje, era uma categoria inexistente.

Questão perene: como uma sociedade justifica e normaliza relações de profundo desequilíbrio de poder envolvendo seus jovens?


O Mundo Contemporâneo

Em gritante contraste, o cenário global contemporâneo nos confronta com inúmeras práticas abusivas que destroem direitos humanos básicos. Além de crimes como a pedofilia, um problema persistente é o casamento infantil.

📊 Dados alarmantes:

  • Cerca de 640 milhões de meninas e mulheres vivas hoje se casaram antes dos 18 anos.

  • Aproximadamente 12 milhões de casamentos infantis por ano.

  • África Subsaariana: 35% | Sul da Ásia: 28%.

  • Brasil é o 5º país do mundo em números absolutos de casamentos infantis, segundo UNICEF e UNFPA.

Muitas vezes, a prática se mascara sob a forma de “uniões estáveis” informais, que não entram nos registros civis, mas produzem os mesmos efeitos devastadores.

Consequências:

  • abandono escolar

  • gravidez precoce e riscos à saúde

  • maior vulnerabilidade à violência doméstica

  • perda do direito de escolha e futuro


Tradição Cultural

A justificativa para a prática frequentemente reside na “cultura” ou na “tradição”. Em textos antigos, como a Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), não há estipulação de idade mínima para o casamento. A virgindade da noiva era o pré-requisito central, refletindo a mulher como propriedade.

Contudo, a concepção moderna de direitos da criança rompe com essa lógica. A questão deixa de ser “o que a sociedade permite?” para se tornar “o que a dignidade humana exige?”.


Conclusão

Tanto as práticas gregas idealizadas quanto os problemas do mundo contemporâneo nos forçam a confrontar como as estruturas de poder podem ser normalizadas dentro de um tecido social.

A evolução ética não é censura contra a cultura, mas um avanço em direção a um princípio universal: cada criança tem o direito inalienável de ser criança.


Referências

  • Platão. (c. 385–370 a.C.). O Banquete (Symposium).

  • UNICEF. (2023). Child Marriage: Latest trends and future prospects.

  • Declaração Universal dos Direitos Humanos. (1948). Assembleia Geral das Nações Unidas.

  • Violence Against Persons (Prohibition) Act, 2015 (VAPP Act), Nigéria.

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