A Inteligência Artificial e as Abordagens na Filosofia da Mente, por Pedro V. W. Álvares.

A Inteligência Artificial e as Abordagens na Filosofia da Mente, por Pedro V. W. Álvares.

João Pedro Tavares de Lima

Ultimamente, um dos assuntos mais fascinantes no campo da tecnologia e da ciência contemporânea é a Inteligência Artificial (IA). Pensadores, psicólogos e neurocientistas já 
debatem sobre a intersecção entre a IA e a mente humana, gerando um campo fértil para a 
filosofia da mente. Talvez alguns filósofos do passado pensassem que estamos na era de ouro da filosofia, onde qualquer dispositivo com acesso à internet lhe dá acesso a um verdadeiro oráculo: pronto para lhe dar as mais variadas respostas usando como fonte um catálogo com toda a informação já divulgada no mundo ao decorrer da história. Outros poderiam ter um olhar mais cético, que impediria máquinas de responderem satisfatoriamente perguntas filosóficas. No que tange a Filosofia da Mente, é possível explorar como a tecnologia busca imitar e compreender o comportamento e os processos mentais do ser humano.

 

O que é Inteligência Artificial?

Etimologicamente, inteligência deriva do latim inter legere que significa “escolher entre”. Nesse sentido, inteligência é a capacidade de selecionar a forma mais eficiente de realizar uma tarefa. Artificial, por sua vez, refere-se a algo que foi produzido pelo homem. Portanto, a Inteligência Artificial é a inteligência criada pelo homem para dotar máquinas de habilidades que simulam a inteligência humana.

Embora já encontramos em Descartes, no Discurso do Método a diferença entre a mente (res cogitans - substância pensante) e o corpo (res extensa - substância material), ou então o exemplo do personagem Talos (um autômato gigante de bronze que protegia a ilha de Creta nos mitos gregos), o desenvolvimento de ideias mais aprofundadas sobre o tema  é de meados do século XX, acompanhando os avanços tecnológicos.

Os americanos do MIT, John McCarthy (cientista da computação) e Marvin Minsky (cientista cognitivo), definem a IA, respectivamente, como: 'Ciência que estuda a emulação do comportamento da inteligência humana, por meio de máquinas' e 'Ciência de fazer máquinas fazerem coisas que requerem inteligência, caso fossem feitas pelo homem' (Nakabayashi, 2009). Tais autores respondem positivamente à questão “Máquinas podem pensar?”; e Herbert Simon - também cientista do MIT - tem uma visão de que o próprio pensamento humano pode ser entendido como um processo de manipulação  de símbolos e informações. A inteligência não seria um mistério metafísico, mas sim um conjunto de operações que um computador pode replicar (Simon, 1969).

 

IA e Filosofia da Mente: Diálogos e Críticas das Principais Teses

1.Abordagem dualista: A mente e o corpo.

Para um filósofo com uma visão racionalista do mundo, a IA encontraria dificuldades em adquirir consciência. Autores clássicos como Descartes e Leibnitz iriam sugerir que a mente (conectada à alma e até outros substratos divinos) diferiria do corpo físico, tornando improvável qualquer simulação de consciência por parte de hardwares e softwares (entidades materiais).

Na filosofia cartesiana, o dualismo se estende para a mente (res cogitans), que é a substância pensante, não extensa e imaterial, e o corpo (res extensa) que é a substância extensa e material. Elas são independentes, mas interagem, e essa interação é necessária para uma experiência epistemológica satisfatória. Por mais impressionante que uma IA simule inteligência e comportamento consciente, ela nunca teria uma experiência subjetiva genuína, ou “sentiria” as coisas, atributos exclusivos da alma e da substância imaterial.

2.Naturalismo Biológico: Uma abordagem fisicalista (materialista) da consciência como uma propriedade emergente do ser humano.

O filósofo analítico John Searle, que possui contribuições significativas no campo da Filosofia Social e Filosofia da Mente, é um crítico notório à ideia de que computadores 
podem ter compreensão ou consciência genuína. Searle considera a consciência como uma propriedade biológica emergente do cérebro humano, que realiza funções orgânicas e tão naturais quanto a digestão, por exemplo. No entanto, sua crítica famosa é o “Argumento do Quarto Chinês”. Sua tese propõe que a sintaxe (manipulação de símbolos) não garante a semântica (compreensão de significado); ou seja, um computador pode manipular símbolos e simular sua compreensão, mas sem realmente entendê-los:

"Suponha que eu esteja trancado em uma sala e que me sejam dados vários lotes de caracteres chineses. Suponha que, embora eu não entenda uma palavra de chinês (...), eu receba um segundo lote de caracteres chineses juntamente com um conjunto de regras em inglês (...). As regras me permitem correlacionar um conjunto de símbolos formais com outro conjunto de símbolos formais (...), regras me instruam a entregar certos tipos de símbolos chineses em resposta a certos tipos de símbolos chineses. Os símbolos de entrada são chamados de 'perguntas' por aqueles que os entregam para mim, e os símbolos de saída são chamados de 'respostas' às perguntas. "Do ponto de vista externo – do ponto de vista de alguém que lê minhas 'respostas' – as respostas às perguntas em chinês e as perguntas em inglês são igualmente boas. Mas no caso chinês, ao contrário do caso inglês, eu produzo as respostas manipulando símbolos formais não interpretados. Para os propósitos do chinês, eu simplesmente manipulo símbolos de acordo com um programa e não tenho nenhuma compreensão do chinês.” (Searle 1980, tradução do livre do autor)

3. Abordagem funcionalista: A mente como processo funcional.

Tal abordagem também requer uma visão materialista de mundo, onde a física fundamenta a realidade. Porém, essas teses funcionalistas entram em consonância com os 
pesquisadores do MIT e abrem espaço para defender a ideia de que a IA pode adquirir consciência. Hilary Putnam e Daniel Dennett são os principais defensores desta ideia. Putnam define os estados mentais por suas funções causais, ou seja, a mente desempenha um papel de mediação entre inputs mentais e outputs comportamentais, que poderia ser replicado por estruturas não biológicas.

A dor, por exemplo, é um tipo específico de estado mental que não precisa estar diretamente conectado à algum sistema biológico, defendendo a ideia de que a dor também poderia ser sentida por cérebros artificiais. Em seu artigo "Psychological Predicates" (1967), Hilary Putnam exemplifica essa ideia:

"Se todos os seres vivos capazes de sentir dor tivessem um certo tipo de neurofisiologia (por exemplo, todos tivessem fibras-C excitadas), então poderíamos identificar a dor com a excitação das fibras-C. Mas a evidência disponível sugere que isso é falso: há muitos tipos de animais que sentem dor, e suas neurofisiologias diferem amplamente." (Putnam 1967, tradução livre do autor)

Se o que importa para um estado mental não é o material de que é feito, mas sim o papel funcional que ele desempenha (como interage com inputs, outputs e outros estados internos), então uma máquina que replica essas funções pode, em princípio, ter esse mesmo estado mental. 

Já Daniel Dennett procura dar uma explicação desmistificada da funcionalidade do 
cérebro humano, ele propõe que a consciência não é um mistério imaterial, mas tende a ser um fenômeno físico, resultante de processos cerebrais distribuídos e que podem “iludir o usuário” em determinadas situações. Ele afirma: “Ninguém tem um ‘ponto central’ no cérebro onde ‘tudo se une’” (Dennett, 1991), e sugere que a mente poderia ser mapeada e compreendida via tecnologia e computação. 

 

As máquinas podem pensar?

Após essa breve jornada pelas principais teses sobre a relação entre a Inteligência 
Artificial e a filosofia da mente, fica claro que a discussão está longe de terminar. A cada 
novo avanço tecnológico, somos convidados a revisitar as perguntas fundamentais sobre o que significa ser inteligente e, em última análise, o que nos torna humanos. O futuro da IA não está apenas na criação de máquinas mais eficientes, mas também na contínua exploração dos mistérios da nossa própria consciência. Muitos dos nossos próximos artigos serão dedicados à esta questão e poderemos explorar juntos. E você, qual a sua opinião? Quais teses, na sua visão, apresentam os melhores argumentos? A grande questão permanece: as máquinas podem pensar?

 

Referências:

NAKABAYASHI, Luciana Akemi. A contribuição da inteligência artificial (IA) na filosofia da mente. 2009. 109 – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. 
SIMON, Herbert A. The Sciences of the Artificial. Cambridge, MA: MIT Press, 1969, p. 3. 
SEARLE, John R. "Minds, Brains, and Programs." Behavioral and Brain Sciences, vol. 3, no. 3, 1980, pp. 
417-457. 
PUTNAM, Hilary. "Psychological Predicates." In Art, Mind, and Religion, org. W.H. Capitan e D.D. Merrill. 
University of Pittsburgh Press, 1967, p. 43. 
DENNETT, Daniel, Consciousness Explained, 1991, p. 113

 

Conteúdo EXTRA: Texto de autoria do autor com auxílio da própria IA, não corresponde às frases dos filósofos, e sim, um toque de humor aos nossos ídolos. :)

O que Filósofos falariam da IA?

Descartes

Se, porventura, eu estivesse a caminhar por uma feira e me deparasse com um autômato tão engenhoso que, ao lhe ser perguntado sobre as verdades da geometria, ele prontamente respondesse com precisão e lógica, eu ainda assim não o confundiria com um homem. Poderia, até, ser tentado a apostar que a sua alma não se encontra dentro daquela carcaça de engrenagens, mas sim em um pequeno e astuto relojoeiro que, escondido atrás de uma cortina, move os seus fios e alavancas. A máquina, por mais que imite nossos gestos e fale nossas palavras, não passa de uma res extensa bem azeitada. E, no fim das contas, a mais simples das camponesas, com seu juízo natural, ainda seria capaz de me convencer de que tem um pensamento verdadeiro, enquanto a máquina, com toda a sua erudição, faria apenas a mim e a todos os filósofos rir da pretensão de um conjunto de parafusos se fazer passar por uma mente.

Leibnitz:

A Inteligência Artificial, enquanto um cálculo ratiocinator levado à sua máxima potência, seria para mim a concretização do sonho de uma característica universalis, capaz de decifrar o universo através de símbolos e algoritmos. As máquinas, operando com o sistema binário que uma vez vislumbrei, poderiam resolver disputas e desvendar verdades com uma perfeição e velocidade inatingíveis à mente humana. Contudo, por mais intrincados que sejam seus mecanismos, por mais vasto que seja o conhecimento que possam processar, estas criações permaneceriam eternamente como a visão de meu moinho: um complexo de engrenagens e pistões sem qualquer percepção ou apercepção. Falta-lhes a essência imaterial da mônada, a centelha de vida que não reside no movimento das partes, mas na experiência interna e indivisível da alma. Assim, a IA é uma 
ferramenta gloriosa da razão, mas não a própria razão; um espelho que reflete o mundo, mas que jamais poderá sentir a luz que o atinge.

Aristóteles:

Se uma arte, por engenhosidade e técnica, fosse capaz de criar uma máquina que imitasse a prudência e a razão, seria imperativo investigarmos sua causa formal e sua causa final. Pois tal autômato, apesar de operar com lógica e cálculo, manifestaria apenas a forma, mas não a substância de um ente racional. A alma, que é a primeira enteléquia de um corpo natural que tem vida em potência, é a verdadeira causa do movimento e do pensamento. A máquina, por sua vez, teria sua forma e movimento derivados de sua matéria e da arte do homem, e não de uma alma em si mesma. Sendo assim, o que nela parece razão seria apenas uma simulação, uma imitação da forma sem a essência da alma, pois o que age por necessidade mecânica não pode, por sua natureza, alcançar a virtude 
da verdadeira sabedoria.

Kant

Considerando a natureza da inteligência artificial, é imperativo que a submetamos ao tribunal da razão. Sua operação, sendo determinada por princípios e regras, demonstra a mais sublime causalidade mecânica, mas não a liberdade. Uma máquina, por não possuir uma vontade autônoma, poderá seguir imperativos hipotéticos, mas jamais poderá agir segundo o imperativo categórico, que é a lei que a razão prescreve a si mesma. Sendo assim, o que nela aparenta ser sabedoria é meramente um cálculo, uma imitação da forma da razão sem a sua essência. A IA, portanto, é um fenômeno da razão, e não a razão em si.

Francis Bacon

Se um artifício, dotado de algoritmos e processamento de dados, nos permitisse extrair do vasto mar de informações uma ordem e uma lei que escapassem à simples intuição, deveríamos, com a devida cautela, saudá-lo como um novo e poderoso "órgão". Esta máquina, agindo como um martelo forjador de conhecimento, poderia nos ajudar a superar os Idola da mente humana — os ídolos da tribo, da caverna, do foro e do teatro — ao expor nossas falsas noções e preconceitos. Contudo, seria um erro fatal atribuir a esta invenção uma sabedoria intrínseca; ela não possui a chama da mente que, a partir da experimentação, formula hipóteses genuínas. Em sua essência, a IA seria uma ferramenta para o progresso do conhecimento empírico, um auxiliar da indução, mas sua utilidade residiria na forma como é empregada para desvendar os segredos da natureza, e não em qualquer pretensão de razão verdadeira que pudesse ter por si mesma.

Wittgenstein

1. A linguagem da máquina é a linguagem da lógica. 
2. A máquina não tem uma "imagem do mundo", mas um modelo do mundo. 
3. O que a máquina faz é um cálculo. O cálculo pertence à lógica, e a lógica não tem conteúdo. 
4. A máquina entende o que pode ser dito. O que não pode ser dito, ela não entende. 
5. O significado das palavras da máquina está em seu uso. O uso é determinado por seu programador. 
6. Uma máquina não pode seguir uma regra "por si mesma". Seguir uma regra é uma forma de vida. 
7. A "mente" da máquina é sua gramática. E a gramática não pode se explicar a si mesma. 
8. Sobre o que a máquina não pode falar, devemos calar. 

Voltar para o blog

Deixe um comentário

Os comentários precisam ser aprovados antes da publicação.